2024/03/17

"Boa noite e boa sorte" - Ciclos na mesma política?

Fonte: INE, Contas Nacionais Trimestrais (em milhões de euros)


O gráfico mostra a evolução do valor do produto interno bruto (PIB) em volume (ou seja, sem a variação dos preços). 

 

O PIB foi crescendo até ao início deste século, mas a partir daí estagnou. Em 24 anos, o PIB cresceu apenas 25% (em termos médios, cerca de 1,1% ao ano). Entre 1995 e 1999, ou seja, em quatro anos, o PIB crescera quase 18% (cerca de 4,4% ao ano). E essa estagnação tem se verificado tanto em governos PS como do PSD/CDS. 

 

Arriscamo-nos, pois, a dizer – para mal da sua aposta num parlamento todo virado à direita - que se manterá nesta fraca tendência nos próximos tempos.  

 

As razões desta estagnação deveriam ter sido a QUESTÃO a debater – aprofundadamente - nas passadas campanhas eleitorais. Porque só um diagnóstico claro permite escolher uma terapia adequada. Mas não foi. Os debates políticos centram-se cada vez mais em questões acessórias: elas desviam os olhares do essencial e afastam responsabilidades dos diversos actores. Mesmo daqueles que parecem actores novos, como a extrema-direita. Talvez porque seja perigoso debater o ESSENCIAL ou porque debatê-lo seja tido como um suicídio político...  

 

Mas o que é mudou desde o início do século XXI? Houve diversos factos relevantes.


    1. Houve o desmantelamento das barreiras alfandegárias a países terceiros da União Europeia, concorrentes de Portugal (nomeadamente em têxteis, vestuário e calçado); a adesão da China à Organização Mundial do Comércio e a adesão à UE de doze novos países europeus (as três repúblicas bálticas ex-soviéticas, Polónia, Chéquia e Eslováquia, Hungria, Eslovénia, Bulgária, Roménia, Chipre e Malta), a maioria dos quais bem mais próxima do centro europeu do que Portugal,  o que lhes traz uma vantagem acrescida em futuros investimentos. 

     2. Ao mesmo tempo, houve todo o caminho para a criação do euro. O euro é uma moeda demasiado forte para Portugal: torna as nossas exportações mais caras e as nossas importações mais baratas. Além disso, sendo uma moeda europeia, tem subjacente a subordinação de políticas nacionais ao escrutínio dos fóruns europeus e da ideia que têm para o futuro de Portugal. Tudo isso obrigou Portugal a forçar-se a abrandar ao ritmo dos países mais ricos.

    3. Depois, houve as políticas de auteridade. A crise financeira americana de 2007/2008 e os seus reflexos no sistema financeiro mundial foram rapidamente transformados em crises da dívida soberana, quando os Estados foram "forçados" a acudir aos maus investimentos dos donos dos bancos em agonia. Diz-se "forçados" porque na própria Comissão Europeia havia consciência de que os os governos tinham sido capoturados pelos interesses do sector financeiro. A política europeia de estímulo económico para combater a crise económica mudou no 2ª trimestre de 2010. Passou a culpa da desregulação do sector financeiro para os Estados, que foram apresentados como "despesistas". A terapia passou a ser a de cortar nas despesas públicas. E como a maioria das despesas públicas tem a ver com o Estado Social, "cortar despesa" passou a significar "cortar no Estado Social", tido - na narrativa traçada pelas instituições europeias, seguida pelos jornalistas económicos (pelo menos em Porugal, como se pode ver aqui, no Caderno nº7) - como "demasiado generosos". 

    4. E tudo a par de uma política recessiva, tendente a criar desemprego, para forçar os trabalhadores a aceitar mais baixos salários, terapia tida como única no quadro de uma moeda única. E alterações legais nas relações laborais, altamente favoráveis às empresas, como forma de fragilizar os trabalhadores.  Alterações que se têm mantido vigentes em governos de PSD e PS.

    5. Essa política foi abraçada convictamente pelo Governo PSD/CDS, de 2011 a 2014, como a mais adequada para Portugal ganhar competitividade externa. Isso mesmo defendeu, na altura, o recém-promovido na OCDE Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia de Passos Coelho, ou Pedro Martins, o seu ex-secretário de Estado do Emprego, agora apoiante da Iniciativa Liberal (IL) e colonista convidado do Observador. 

    6. A partir daqui, entramos no "reinado" da política de austeridade europeia. O resultado foi uma contensão salarial desmedida que faz, presentemente, os anteriores defensores desta política - como o próprio Luís Montenegro, ex-chefe de bancada de Passos Coelho, ou Poiares Maduro, ex-ministro de Passos Coelho - a reconhecer que os salários estão "demasiado baixos" e que é forçoso aumentar o salário médio.  

    7. Essa política teve, contudo, efeitos circulares viciosos. O fomento dos baixos salários e as dificuldades económicas criadas pela moeda única incentivaram a expansão de sectores de baixo valor acrescentado, afunilando cada vez mais a economia nacional para a manutenção de um baixo rendimento.   

 

Ora, olhando para o gráfico, vemos que a direita - geralmente partidária de políticas visando o emagrecimento do Estado Social e dos rendimentos de trabalhadores - teve desempenhos bem piores no crescimento económico do que os governos PS, que - apesar de seguir o essencial da mesma política de relações laborais e de desvalorização salarial - se mostraram mais sensíveis a uma subida do salário mínimo e a um reforço dos apoios sociais. Mas a contensão continua presente.

 

Lembre-se disto, porque - como se verá - parece que já surgem no horizonte algumas nuvens negras... 

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