"(...), os sociais-democratas acreditam que uma governação que comece por resolver os problemas do dia-a-dia na saúde, na educação, na habitação e nos serviços públicos vai acabar por esvaziar o voto de protesto. Nesse sentido, o novo governo, liderado por Luís Montenegro, não tem tempo a perder para começar a trabalhar." (Público, 30/3/2024)
Parece um raciocínio claro. Se resolvermos as razões do protesto popular, acabaremos com o voto de protesto popular.
A única questão que falta saber é perceber o que torna difícil resolver as razões desse protesto. Mas aqui não vai ser fácii: 1) porque o programa eleitoral da Aliança Democrática (aqui) é parco em diagnósticos e a sua política tem até aqui contribuído para um recuo dos gastos públicos em saúde, educação, habitação, ao mesmo tempo que privilegiam o predomínio das regras de mercado (exemplo da Lei Cristas na habitação); 2) porque, hoje em dia, a política decidida a nível nacional corresponde a uma margem estreita da decisão política e o que é determinado ou definido a nível europeu difiicilmente será questionado por um país pequeno como Portugal.
E se a política europeia não é alterada, manter-se-ão as razões do voto de protesto. Por isso, tem sido cada vez mais difícil a nível europeu evitar a participação da extrema-direita nos governos. E se essa política produz estes efeitos e se não é alterada, é porque corresponde às necessidades de quem beneficia dela.
Há, pois, um défice de debate sobre as causas do voto de protesto.
Veja-se a entrevista hoje publicada no Público a uma investigadora finlandesa Sanna Salo (aqui).
Curiosamente, em toda a entrevista não se questiona as razões do sucesso deste voto de protesto. A razão do sucesso da extrema-direita é centrada sobretudo nas ligações políticas internacionais da extrema-direita que permitem uma uniformização do seu discurso e da ampliação de certas mensagens:
"O problema é que a maior parte dos países europeus está muito endividada — até a Alemanha — e não tem a margem de manobra económica, ou pelo menos esta é a percepção, para abordar alguns dos problemas socioeconómicos que as pessoas estão a sentir, como a deterioração dos serviços ou mesmo a transformação industrial que está a acontecer, pessoas com empregos de tarefas manuais que estão a ser automatizadas ou subcontratadas. Pode haver uma série de factores que alimentam a extrema-direita, mas a análise que os partidos políticos estão a fazer é que a questão é a imigração."
Estará o problema no endividamento dos Estados? Ciclicamente, a direita ganha acusando a esquerda de desperdício (ou corrupção), mas quando chega a poder, o corte nas "gorduras" do Estado redunda em recessão e em mais protesto. O que está mal nisto?
Parece que, como se viu aqui,
há uma estreita ligação entre uma política europeia que condiciona
orçamentalmente os Estados e um empobrecimento geral que conduz ao
surgimento da extrema-direita.
Se a extrema-direita é um problema internacional, a solução também terá de o ser.