2024/03/31

"Diário de um vampiro" - Ontem como hoje

Público, 31/3/2014
 

Nem de propósito. 

Há dez anos, as eleições municipais francesas castigaram o Partido Socialista dando a maior votação à direita em mais de 155 cidades (incluindo Paris) e promovendo a extrema-direita francesa em dez cidades. Paulo Rangel, hoje ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, ouvido nessa noite pela SicNotícias, disse que os resultados mostravam que "as políticas socialistas não são alternativa". Contudo, o PS francês acabara penalizado precisamente por não aplicar as políticas socialistas e render-se às políticas de austeridade... de direita. 

O mundo discutia já o que fazer com o conflito latente entre Rússia e Ucrânia. E cá em Portugal - ao mesmo que sindicalistas se uniam para defender a Segurança Social pública - entrava em vigor mais austeridade pela mão do Governo Passos Coelho: o corte nas pensões acima dos mil euros, tanto da Caixa Geral de Aposentações como da Segurança Social, penalizando cerca de 165 mil pensionistas. 

Público, 31/3/2014
 

O cabeça de lista do PS às eleições eurpeias, Francisco Assis, era ouvido pelo jornal Público e apelidava o governo Passos Coelho de ser "ideologicamente extremista" e "funcionalmente incompetente" por estar a "estar a destruir algumas conquistas que foram consensualmente conseguidas". Por seu lado, o economista João Ferreira da Cruz lembrava (numa pequena caixa ao texto de opinião de António Correia de Campos sobre a Ucrânia), que, na altura havia em Portugal cerca de 2 milhões de portugueses pobres (viviam com um rendimento abaixo dos 409 euros, a linha da pobreza) e 18,7% dos portugueses, em 2012, em risco de pobreza. 

Frise-se: os mesmos dois milhões - ou seus filhos e filhos deles - de que falava já nos anos 90 e mesmo agora passadas cinco décadas sobre o 25 de Abril!

"É fruto dos erros da austeridade reforçada, da desvalorização do trabalho, dos cortes das pensões, da destruição desigual dos benefícios sociais, da negação de oportunidades. Mas as estatísticas escondem uma realidade mais dura. Por efeito da austeridade, o PIB per capita baixa e em consequência o limiar de pobreza (60% do rendimento mediano) também baixa, agravando a insuficiência de recursos da população." 
Convinha aprender com o passado. 

Público, 31/3/2014


2024/03/30

"Boa noite e boa sorte" - Se a extrema-direita é um problema internacional, então a solução...


 "(...), os sociais-democratas acreditam que uma governação que comece por resolver os problemas do dia-a-dia na saúde, na educação, na habitação e nos serviços públicos vai acabar por esvaziar o voto de protesto. Nesse sentido, o novo governo, liderado por Luís Montenegro, não tem tempo a perder para começar a trabalhar."  (Público, 30/3/2024)

 

Parece um raciocínio claro. Se resolvermos as razões do protesto popular, acabaremos com o voto de protesto popular. 

A única questão que falta saber é perceber o que torna difícil resolver as razões desse protesto. Mas aqui não vai ser fácii: 1) porque o programa eleitoral da Aliança Democrática (aqui) é parco em diagnósticos e a sua política tem até aqui contribuído para um recuo dos gastos públicos em saúde, educação, habitação, ao mesmo tempo que privilegiam o predomínio das regras de mercado (exemplo da Lei Cristas na habitação); 2) porque, hoje em dia, a política decidida a nível nacional corresponde a uma margem estreita da decisão política e o que é determinado ou definido a nível europeu difiicilmente será questionado por um país pequeno como Portugal. 

E se a política europeia não é alterada, manter-se-ão as razões do voto de protesto. Por isso, tem sido cada vez mais difícil a nível europeu evitar a participação da extrema-direita nos governos. E se essa política produz estes efeitos e se não é alterada, é porque corresponde às necessidades de quem beneficia dela.

Há, pois, um défice de debate sobre as causas do voto de protesto. 

Veja-se a entrevista hoje publicada no Público a uma investigadora finlandesa Sanna Salo (aqui).

2024/03/29

"Diário de um vampiro" - Governo Passos Coelho abana com notícia sobre mexidas nas pensões

Público, 29/3/2014


Há dez anos, o Governo de Passos Coelho foi forçado a abortar uma medida em estudo e que poderia representar, já em 2015, um corte permanente nas pensões, em substituição da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).

Pretendia-se criar um mecanismo permanente que ajustasse o valor das pensões à evolução de vários indicadores económicos e demográficos.

Num encontro informal com jornalistas, uma fonte oficial do Ministério das Finanças explicou que a reforma dos sistemas de pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações teria dois momentos: numa primeira fase, o grupo de trabalho encarregue dessa matéria efectuava simulações para defnir as medidas que garantissem "a redução da despesa no imediato", a vigorar logo em 2015. 

Esses especialistas estavam a fazer simulações para avaliar qual o conjunto de indicadores adequados que permitisse um resultado “equitativo”, “modulado” e que tivesse em conta os segmentos de pensionistas com rendimentos mais baixos. O mix de indicadores poderia incluir a evolução do PIB, indicadores demográficos ou o equilíbrio entre o número de pensionistas e os contribuintes para o sistema de Segurança Social, como acontecia - dizia-se - em Espanha, Alemanha ou Suécia. 

As pensões poderiam, assim, aumentar ou diminuir, consoante a evolução dos indicadores escolhidos.

"Boa noite e boa sorte" - A margem europeia

Público, 29/3/2024

 

O verdadeiro desafio que o Governo Montenegro terá - como qualquer governo de direita ou do PS - será o de cumprir as suas promessas e, ao mesmo tempo, satisfazer as intenções de quem estiver à frente das instituições europeias. Como já referimos (aqui e aqui), não vai ser fácil. 

Desde a pandemia e face à maior recessão de sempre, as instâncias europeias quebraram os seus cânones: mantiveram as medidas de intervenção do BCE do tempo para domar mercados financeiros adotadas na crise de 2007/8 e apoiar as dívidas públicas nacionais, incentivaram os Estados a intervir para atacar os efeitos sociais da recessão e, para isso... suspenderam a obrigação de os Estados convergirem para os valores  fixados em 1992 em Maastricht para o défice orçamental (3% do PIB) e dívidas públicas (60% do PIB). E  tudo teve um elevado sucesso económico! 

Mas passado o temporal, eis que tudo volta à estaca zero. Como se não houvesse memória, Bruxelas e Frankfurt - e os nossos comentadores nacionais - voltam a enumerar os velhos princípios de convergência nominal, como se fosse a única cartilha. E como se fizessem sentido fixar metas universais para economias tão distintas entre si.

--> Os Estados voltam a ter reduzir o seu défice orçamental para que se reduza a sua dívida pública - ou seja, reduzindo a intervenção do Estado, reduzindo apoios sociais, serviços públicos, tudo com efeitos recessivos e maior desemprego. E isso esquecendo que é possível aumentar o défice orçamental - e impulsionar a economia, caminhando para o pleno-emprego - ao mesmo tempo que se reduz o peso da dívida no PIB. Basta que a economia cresça mais do que o valor da taxa de juro subjacente ao pagamento da dívida.   

--> Caso contrário essa obrigação não seja acatada, caso os Estados não implementem essas reformas de redução de intervenção pública, então as instituições europeias não os apoiarão em caso de ataque especulativo pelos mercados financeiros. Ou seja, é Bruxelas e Frankfurt que determinam, em última instância, se as promessas poderão ou não ser cumpridas. Se o povo votou nesse sentido, isso torna-se um pormenor.

E isso quando a política anti-crise funcionou. No fundo, revela-se como a questão de poder. 

Estejam, pois, atentos, povo que elegeu um Parlamento de direita.  

2024/03/28

"Escândalo na TV" - Jornalistas versus comentadores


É possível que uma pessoa com ideias de direita não se tenha apercebido. Mas certamente essa pessoa terá reparado que concorda cada vez mais com quem faz comentário político. É que, se o Parlamento aparenta estar fragmentado, a comunicação social revela-se bastante homogénia.

Apenas para complementar o que aqui foi dito sobre o oligopólio da direita no comentário político, há um outro aspecto que, de sobremaneira, valoriza esse mesmo comentário. 

É que à medida que aumenta o número de comentadores políticos (como se vê no gráfico inserto num recente estudo do ISCTE sobre o comentário político), assiste-se a uma redução do número de jornalistas nas redacções. Ainda recentemente foi anunciado um despedimento colectivo no grupo Global Media e a venda de diversos órgãos de comunicação, e mais recentemente ainda o fecho do site Setenta e Quatro:

"Ousámos desafiar a 'crise do jornalismo' em plena pandemia e fundar um jornal de investigação assente num jornalismo diferente. O jornal termina esta quinta-feira por razões exclusivamente financeiras. A nossa permanente teimosia deparou-se com uma muralha, e há um momento em que o espírito de combate já não basta." 

E dessa forma assiste-se a uma compressão do pluralismo político e mesmo do espaço noticioso. Mesmo um eleitor de direita compreende onde conduz essa trajectória de redução de produção própria de notícias e de aumento do espaço afunilado de comentário político. 

Cinquenta anos não foi assim há tanto tempo. 



"O dia antes do fim" - Os tempos não são de euforia

Fonte: INE, indicadores de conjuntura
 

Os técnicos do Instuto Nacional de Estatística (INE) sublinham que, de Dezembro de 2023 a Março deste ano, o indicador de clima económico melhorou. Acrescentam mesmo que inverteu a tendência descendente observada desde Fevereiro de 2022. Porém, se olharmos bem, verificamos que o ambiente económico actual encontra-se ainda aos níveis pós-recessão Covid, que, por sua vez, estão ao mesmo nível do ambiente pré-crise financeira internacional de 2007 e muito longe dos níveis anteriores à criação do euro. Ou seja, não se vive um ambiente eufórico... 

E isso reflecte-se igualmente no índice de confiança em diversos sectores económicos. Construção e Comércio apresentam uma tendência descendente. A excepção parece situar-se na indústria transformadora (linha azul) e serviços (linha amarela), embora os seus níveis sejam semelhantes aos pré-crise financeira de 2007 ou pós-recessão provocada pelos programas de austeridade (2010-2014). 


Os agregados familiares parecem mais optimistas, mas não muito:

2024/03/27

Coisas da creche

O chefe da extrema-direita, no seu discurso desta tarde no Parlamento, acusou o PS e o PSD de dividirem "tachos" entre eles, ao eleger José Pedro Aguiar-Branco como presidente da Assembleia da República. Mas o deputado Pedro Frazão (do mesmo partido de extrema-direita) recusa a ideia de que Diogo Pacheco de Amorim (do mesmo partido) esteja a ocupar um "tacho" ao ter sido eleito, no mesmo dia, vice-presidente da mesma Assembleia da República. 

- Não há aí dois pesos e duas medidas? - pergunta a pivot da Sic Notícias. 

- Não, porque Diogo Pacheco de Amorim foi eleito pelos deputados. 

- Mas Aguiar- Branco também foi... - acrescenta a pivot

- Não, porque houve um acordo entre PS e PSD para o eleger... e o Pacheco de Amorim foi eleito pela vontade dos deputados.

Ora, devia haver um pacto de regime para impedir que o debate político baixe ao nível da creche. Isto sem desprimor para os ganapos da creche.

 

Nota explicativa

Perante o boicote da extrema-direita ao candidato a presidente da AR proposto pelo PSD, que redundou na incapacidade de eleição a 26/3/2024, os dirigentes de PS e PSD decidiram a 27/3/2024 ultrapassar esse impasse: o candidato do PSD (José Pedro Aguiar-Branco) desempenharia as funções nos primeiros dois anos e o candidato do PS (Francisco Assis) os restantes dois anos da legislatura. Apesar do boicote, o PSD decidiu viabilizar a eleição do candidato do Chega! para a vice-presidência da AR, Diogo Pacheco de Amorim, um homem ligado ao partido spinolista (MDLP) e à rede bombista que tentou desestabilizar a revolução do 25 de Abril, mesmo para lá do 25 de Novembro de 1975, e que foi responsável por diversas mortes. 

"Escândalo na TV" - Jornalistas e comentadores não conseguem ver


O eleitor de direita é capaz de achar que há duas direitas. 

Uma que joga o "jogo democrático" e aproveita-o para aprovar medidas que vão ao encontro dos seus objetivos. “Jogar o jogo democratico” inclui aceitar apoios de grandes empresários, em tudo assimétricos face aos partidos à esquerda, e usar órgãos de comunicação social colocados ao seu dispor por outros grandes empresários, que lhe garantem o oligopólio do comentário político (tido como “independente”, embora expressamente convidado para corroborar a sua narrativa)


E, depois, há uma outra direita mais impaciente, que gostaria de impor um ritmo bem mais acelerado às transformações que a direita em geral defende. E para isso, joga em dois tabuleiros antagónicos: “joga o jogo democrático” – e isso inclui os instrumentos semelhantes aos da outra direita – mas ao mesmo tempo aproveita-o para desestabilizar o “jogo democrático”, porque acha que é o próprio sistema que obstaculiza os seus objetivos. Para isso, desmultiplica-se em mensagens histriónicas, anti-constitucionais e contraditórias, porque sabe que isso atrai jornalistas e comentaristas; fomenta a discórdia porque a própria imagem da discórdia é a “prova” da corrupção do sistema que diz combater e da qual quer emergir impoluta.

O problema surge quando a primeira direita acha que, porque existem objectivos comuns, é possível fechar uma aliança entre as duas direitas. Ora, a segunda direita usará todos os “acordos” para baralhar, porque essa é a sua estratégia contra o sistema democrático. 

Essa aliança seria apenas viável se houvesse um acordo entre os empresários apoiantes das duas direitas. Mas nessa altura, estaremos a falar do fim do regime democrático. 

O problema de tudo isto é que jornalistas e comentadores não percebem ou, percebendo, não querem ver e tomar partido. Alegam que, em nome do “jogo democrático” não se pode ir contra quem joga “o jogo antidemocrático”. Tornam-se assim marionetas permeáveis à estratégia dessa “outra direita”. 

Ontem foi exemplar. Ora veja-se.

2024/03/26

Ilusionismo bancário

 Enquanto o Parlamento não começa a funcionar em pleno, comente-se declarações passadas:

Retirado do Google

"Aquilo que devemos à sociedade é os impostos que nós pagamos", disse na passada semana Pedro Castro e Almeida, presidente do Banco Santander, na conferência de imprensa de apresentação dos resultados da instituição. 

Esta afirmação veio a propósito de a banca estar a beneficiar de uma conjuntura em que grande parte da população passa dificuldades em arranjar casa e, arrajando-a, em pagá-la. E que, por isso, estes lucros ilustram, de alguma forma, a falta de solidariedade para com a sociedade da qual este sector vive. 

A banca, no seu conjunto, registou em 2023 lucros históricos. Os cinco maiores bancos que operam em Portugal registaram lucros agregados de 4.444 milhões de euros, mais 72,5% face a 2022. Os lucros foram alavancados pelo aumento das taxas de juro de referência do BCE. A Caixa Geral de Depósitos (CGD, banco público) foi o que conseguiu os maiores lucros, com 1.291 milhões de euros. O Santander Totta teve lucros de 1.030 milhões de euros, o BCP 856 milhões de euros, o Novo Banco 743,1 milhões de euros e o BPI 524 milhões de euros. 

A elevada dimensão destes lucros contribuiu, de sobremaneira, para a receita fiscal de IRC em 2023 - cerca de 17% do total

Apesar disso, a mesma administração do Santander propôs  para 2024 aos sindicatos dos seus funcionários um aumento de 2% nos vencimentos, quando a inflação em 2023 foi de 4,3%. Já em 2023, os vencimentos tinham subido 4,5%, abaixo da inflação de 7,8% em 2022. 

Se qualquer eleitor fica incomodado com esta situação, o eleitor dos partidos de direita deveria ficar ainda mais, uma vez que as suas propostas de baixa das taxas de IRC irão beneficiar - como beneficiaram no passado - os donos dos bancos, aumentando a desigualdade social.  

Como é visível no gráfico em baixo, o sector tem vindo a sentir uma baixa das suas taxas efectivas de imposto.

Como explica o Banco de Portugal: 

"Portugal é um dos países da OCDE em que a taxa estatutária máxima de IRC é mais elevada, situando-se atualmente em 31,5%. No entanto, a carga fiscal efetivamente suportada pelas empresas não é adequadamente captada pelas taxas estatutárias, dependendo também dos benefícios, incentivos e deduções fiscais vigentes a nível nacional e internacional. Em alternativa, esta é tipicamente medida com recurso a taxas efetivas de imposto (ETR, na sigla inglesa), que podem definir-se como um rácio entre a despesa das empresas com o pagamento de impostos e uma métrica do seu rendimento antes de impostos. (...) A relativa estabilidade da ETR média deverá refletir dois efeitos contrários: a redução da taxa normal de IRC, em linha com a tendência internacional, e o aumento da progressividade devido à introdução e subsequente reforço de uma sobretaxa estadual na última década. Uma análise da relação entre a carga fiscal efetiva das empresas, usando como denominador o EBITDA (resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações), e as suas características evidencia que ETR mais baixas tendem a estar associadas a rácios de alavancagem e de intensidade capitalística mais elevados, refletindo o tratamento fiscal favorável dos encargos com juros e do investimento em ativos fixos. 

Ou seja, as principais medidas fiscais a debater não deveriam ser a baixa das taxas de IRC, mas todas as medidas legais que permitem a esta sector substrair à tributação partes substanciais dos resultados:

Fonte: Autoridade Tributária, Estatísticas, IRC

Isto se queremos - como o disse Castro e Almeida - que a solidariedade de cada sector seja medida pela sua contribuição para o Orçamento de Estado.


2024/03/24

Mais recados sobre promessas eleitorais

Público, 22/3/2024


Depois dos avisos da Comissão Europeia, vieram os dos responsáveis do Banco Central Europeu (BCE). 

Na passada sexta-feira, Mário Centeno, governador do Banco de Portugal - que o leitor deve entender que funciona já como sucursal do BCE - lembrou que a folga financeira do Orçamento de Estado deve ser preservada. E se as promessas eleitorais forem no sentido de baixar impostos e aumentar despesa pública, então deverão ser acompanhadas por outras medidas que aumentem a receita fiscal e que façam descer a despesa pública. 

"As minhas palavras não se dirigem a nenhuma situação concreta. Tem que ver com dinâmicas das contas públicas que têm consequências na despesa e receita e não devemos dissociar o lado da receita do lado da despesa"

Por outras palavras e a satisfazer o desejo do BCE, o cumprimento das promessas eleitorais feitas pela direita deverá ser seguido de medidas que nunca a direita expressou no debate eleitoral. Ou seja: medidas que se traduzirão em mais austeridade. 

Está a ver onde se quer chegar?  

(Para ler mais sobre o que disse Centeno, ler artigo saído no Público (acima) ou no Diário de Notícias. )


 

O que fazer das promessas eleitorais?


Público, 22/3/2024

Público, 22/3/2024

Poucos dias depois de Luís Montenegro ter festejado a sua frágil vitória das eleições legislativas de 10/3/2024, eis que surgem as primeiras - e já esperadas - nuvens negras. 

O povo português pode eleger quem quiser, baseado no programa eleitoral que achar mais conveniente. Mas quem parece escolher verdadeiramente as políticas a ser seguidas em Portugal é... quem estiver à frente da Europa.  


2024/03/17

"Boa noite e boa sorte" - Ciclos na mesma política?

Fonte: INE, Contas Nacionais Trimestrais (em milhões de euros)


O gráfico mostra a evolução do valor do produto interno bruto (PIB) em volume (ou seja, sem a variação dos preços). 

 

O PIB foi crescendo até ao início deste século, mas a partir daí estagnou. Em 24 anos, o PIB cresceu apenas 25% (em termos médios, cerca de 1,1% ao ano). Entre 1995 e 1999, ou seja, em quatro anos, o PIB crescera quase 18% (cerca de 4,4% ao ano). E essa estagnação tem se verificado tanto em governos PS como do PSD/CDS. 

 

Arriscamo-nos, pois, a dizer – para mal da sua aposta num parlamento todo virado à direita - que se manterá nesta fraca tendência nos próximos tempos.  

 

As razões desta estagnação deveriam ter sido a QUESTÃO a debater – aprofundadamente - nas passadas campanhas eleitorais. Porque só um diagnóstico claro permite escolher uma terapia adequada. Mas não foi. Os debates políticos centram-se cada vez mais em questões acessórias: elas desviam os olhares do essencial e afastam responsabilidades dos diversos actores. Mesmo daqueles que parecem actores novos, como a extrema-direita. Talvez porque seja perigoso debater o ESSENCIAL ou porque debatê-lo seja tido como um suicídio político...  

 

Mas o que é mudou desde o início do século XXI? Houve diversos factos relevantes.

Previsões fáceis

Fotogramas do filme "Ultimato", de Paul Greengrass

Há dois tipos de eleitores de direita. 

 

Há aqueles que fervorosa e conscientemente alinham na ideia de que a sociedade estará melhor se todos delegarem a definição dos seus destinos nos mais ricos, nos mais “empreendedores”, nos mais influentes, nos mais colunáveis porque supostamente essas pessoas trazem consigo o peso da História e evitarão a confusão destruidora das convulsões sociais. Do ponto de vista económico, essa ideia passa pela defesa de que todos os recursos públicos devem ser canalizados para essas pessoas porque saberão tratar dos assuntos de todos. No fundo, esses eleitores nada pretendem mudar. 

 

E há aqueles que, sem terem estas ideias presente, acham que a sua vida não anda bem. E que, se os que estiveram em último lugar no governo não lhe trouxeram uma vida melhor, então é tempo de "mudar um pouco” ou de "partir isto tudo!". E dessa forma, mudaram o seu voto que, muito possivelmente, já tinha mudado nas eleições anteriores a estas.

 

Este blogue não quer convencer os primeiros. 

 

Mas quer ajudar os segundos a mostrar-lhes que talvez as coisas sejam um pouco mais complicadas do que “mudar um pouco” ou "partir tudo!". E que, com um elevado grau de probabilidade, se poderá prever que o voto assim depositado nas diversas formações políticas de direita irá prejudicar ainda mais a sua vida... 

 

 

Quatro actos de uma aldrabice

Primeiro acto. D urante a campanha eleitoral, os dirigentes da coligação AD esquivaram-se a explicar se o seu "choque fiscal" em I...