2024/03/26

Ilusionismo bancário

 Enquanto o Parlamento não começa a funcionar em pleno, comente-se declarações passadas:

Retirado do Google

"Aquilo que devemos à sociedade é os impostos que nós pagamos", disse na passada semana Pedro Castro e Almeida, presidente do Banco Santander, na conferência de imprensa de apresentação dos resultados da instituição. 

Esta afirmação veio a propósito de a banca estar a beneficiar de uma conjuntura em que grande parte da população passa dificuldades em arranjar casa e, arrajando-a, em pagá-la. E que, por isso, estes lucros ilustram, de alguma forma, a falta de solidariedade para com a sociedade da qual este sector vive. 

A banca, no seu conjunto, registou em 2023 lucros históricos. Os cinco maiores bancos que operam em Portugal registaram lucros agregados de 4.444 milhões de euros, mais 72,5% face a 2022. Os lucros foram alavancados pelo aumento das taxas de juro de referência do BCE. A Caixa Geral de Depósitos (CGD, banco público) foi o que conseguiu os maiores lucros, com 1.291 milhões de euros. O Santander Totta teve lucros de 1.030 milhões de euros, o BCP 856 milhões de euros, o Novo Banco 743,1 milhões de euros e o BPI 524 milhões de euros. 

A elevada dimensão destes lucros contribuiu, de sobremaneira, para a receita fiscal de IRC em 2023 - cerca de 17% do total

Apesar disso, a mesma administração do Santander propôs  para 2024 aos sindicatos dos seus funcionários um aumento de 2% nos vencimentos, quando a inflação em 2023 foi de 4,3%. Já em 2023, os vencimentos tinham subido 4,5%, abaixo da inflação de 7,8% em 2022. 

Se qualquer eleitor fica incomodado com esta situação, o eleitor dos partidos de direita deveria ficar ainda mais, uma vez que as suas propostas de baixa das taxas de IRC irão beneficiar - como beneficiaram no passado - os donos dos bancos, aumentando a desigualdade social.  

Como é visível no gráfico em baixo, o sector tem vindo a sentir uma baixa das suas taxas efectivas de imposto.

Como explica o Banco de Portugal: 

"Portugal é um dos países da OCDE em que a taxa estatutária máxima de IRC é mais elevada, situando-se atualmente em 31,5%. No entanto, a carga fiscal efetivamente suportada pelas empresas não é adequadamente captada pelas taxas estatutárias, dependendo também dos benefícios, incentivos e deduções fiscais vigentes a nível nacional e internacional. Em alternativa, esta é tipicamente medida com recurso a taxas efetivas de imposto (ETR, na sigla inglesa), que podem definir-se como um rácio entre a despesa das empresas com o pagamento de impostos e uma métrica do seu rendimento antes de impostos. (...) A relativa estabilidade da ETR média deverá refletir dois efeitos contrários: a redução da taxa normal de IRC, em linha com a tendência internacional, e o aumento da progressividade devido à introdução e subsequente reforço de uma sobretaxa estadual na última década. Uma análise da relação entre a carga fiscal efetiva das empresas, usando como denominador o EBITDA (resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações), e as suas características evidencia que ETR mais baixas tendem a estar associadas a rácios de alavancagem e de intensidade capitalística mais elevados, refletindo o tratamento fiscal favorável dos encargos com juros e do investimento em ativos fixos. 

Ou seja, as principais medidas fiscais a debater não deveriam ser a baixa das taxas de IRC, mas todas as medidas legais que permitem a esta sector substrair à tributação partes substanciais dos resultados:

Fonte: Autoridade Tributária, Estatísticas, IRC

Isto se queremos - como o disse Castro e Almeida - que a solidariedade de cada sector seja medida pela sua contribuição para o Orçamento de Estado.


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