2024/03/29

"Diário de um vampiro" - Governo Passos Coelho abana com notícia sobre mexidas nas pensões

Público, 29/3/2014


Há dez anos, o Governo de Passos Coelho foi forçado a abortar uma medida em estudo e que poderia representar, já em 2015, um corte permanente nas pensões, em substituição da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).

Pretendia-se criar um mecanismo permanente que ajustasse o valor das pensões à evolução de vários indicadores económicos e demográficos.

Num encontro informal com jornalistas, uma fonte oficial do Ministério das Finanças explicou que a reforma dos sistemas de pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações teria dois momentos: numa primeira fase, o grupo de trabalho encarregue dessa matéria efectuava simulações para defnir as medidas que garantissem "a redução da despesa no imediato", a vigorar logo em 2015. 

Esses especialistas estavam a fazer simulações para avaliar qual o conjunto de indicadores adequados que permitisse um resultado “equitativo”, “modulado” e que tivesse em conta os segmentos de pensionistas com rendimentos mais baixos. O mix de indicadores poderia incluir a evolução do PIB, indicadores demográficos ou o equilíbrio entre o número de pensionistas e os contribuintes para o sistema de Segurança Social, como acontecia - dizia-se - em Espanha, Alemanha ou Suécia. 

As pensões poderiam, assim, aumentar ou diminuir, consoante a evolução dos indicadores escolhidos.


“O objectivo das reformas a aplicar no curto prazo é que não sejam apenas um corte, mas um ajustamento que tem de ter em conta a evolução do factor económico e demográfico e que possa estar indexado a um mix de indicadores”, acrescentou a mesma fonte.  

Pedro Passos Coelho, em Moçambique, foi o primeiro a reagir, afirmando tratar-se de uma "especulação". “Ainda não há relatório, só pode ser especulação”. E deixou um recado aos membros do Governo: o debate público deveria “ser mais sereno e mais informado” e esperava que “os membros do Governo contribuam também para isso”. O ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, na habitual conferência de imprensa do Governo, repetiu que ainda não tinha tomado alguma decisão sobre o assunto, mas nunca desmentiu a notícia. “Porventura a interpretação que alguns órgãos de comunicação fazem de conversas que tiveram com alguns, ou algum, membro do Governo, seguramente é exagerada para não dizer abusiva. Porque uma coisa é fazer-se um ponto de situação dos trabalhos que estão a decorrer, outra é tirar daí conclusões. Isso é um passo exagerado e abusivo”. Tal como já fora dito pelo primeiro-ministro, “não é intenção do Governo haver qualquer redução adicional relativamente aos rendimentos dos pensionistas e reformados”. 

Notícias do Expresso, TSF e Renascença ao longo do dia de 27/3 deram, contudo, conta do incómodo: embora todos soubessem, nem o primeiro-ministro, nem o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, nem o ministro-adjunto, Miguel Poiares Maduro, estavam a par do encontro informal promovido pelo Ministério das Finanças. O Governo foi chamado ao Parlamento e os grupos parlamentarres do PS, BE e PCP pediram ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva do artigo do Orçamento Rectificativo relativo à CES. 

Os jornalistas puseram-se logo em campo para ouvir os especialistas. Cortar definitivamente pensões sem ser no âmbito de uma reforma dos dois sistemas corria o risco de ser travado pelo Tribunal Constitucional. Era o que pensavam os constitucionalistas ouvidos pelo Público.

"O TC, quando chumbou a lei da convergência das pensões, deixou claro que a alteração dos montantes das pensões em pagamento só seria aceitável no âmbito de uma reforma estrutural dos regimes. 'A ideia de avançar com uma medida de curto prazo que tem de ter um resultado equivalente à CES, com a promessa de uma reforma profunda após 2015 não vai convencer”, alerta Jorge Pereira da Silva, constitucionalista e professor na Universidade Católica de Lisboa. “À luz do acórdão [862/2013], tudo o que seja transitório e a avulso, com o objectivo de resolver problemas de curto prazo não vai passar. O TC exige um sistema quase perfeito do ponto de vista da igualdade e de sus-tentabilidade, num horizonte consi- derável. E ainda impõe a unificação dos dois regimes”, acrescenta. Soluções como a que está em ci- ma da mesa e que visam responder a “necessidades orçamentais de curto prazo”, alerta Pereira da Silva, correm riscos. “Estamos perante uma fórmula matemática para obter um determinado resultado”, critica. 

No acórdão que chumbou o corte de 10% nas pensões em pagamento da função pública, o TC conclui que “a violação das expectativas em causa (...) só se justificaria eventualmente no contexto de uma reforma estrutural que integrasse de forma abrangente a ponderação de vários factores. Só semelhante reforma poderia, eventualmente, justificar uma alteração nos montantes das pensões a pagamento”. 

 O professor da Faculdade de Direito de Lisboa Paulo Otero, entendia que, teoricamente, indicadores como os que estão ser estudados “são aceitáveis”, a questão é saber se são realistas e se se aplicam também às pensões em pagamento. “Em abstracto, critérios como a evolução da economia e a demografia parecem-me elegíveis para determinar o futuro das pensões, mas têm uma grande dose de incerteza”, realçava ao PÚBLICO. Também Paulo Veiga e Moura, especialista em direito administrativo, alerta que, mesmo que o TC aceite cortes não temporários, os critérios “têm de ser realistas”. “Não faz sentido dizer que as pensões só aumentam se a economia crescer a um ritmo de 10% ao ano”, exemplifica.

Público, 29/3/2014


Recorde-se que há uma comissão em funcionamento, nomeada pelo Governo Costa, para estudar o sistema de pensões e sobre cujo relatório o Governo Montenegro terá de decidir. 

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