2024/04/03

Austeridade à vista 1

 

O primeiro-ministro ontem empossado deu no seu discurso diversos sinais de querer aplicar uma "política de austeridade". 

Relembre-se que a "política de austeridade" não é uma política de "contas certas" nem de "rigor orçamental". Historicamente - como o frisa Clara E. Mattei no seu livro A Ordem do Capital  - são políticas que surgem num contexto de grande contestação social e que visam disciplinar a população, em benefício da velha ordem a preservar. É "uma arma política contra o seu próprio povo"; tem sido uma forma de dizer às classes trabalhadoras que voltem "ao seu lugar".  E isso faz-se através de políticas que desviam "recursos da maioria que trabalha para a minoria que poupa/investe" e, ao fazê-lo, obriga "a uma aceitação pública de condições repressivas da produção económica".  

Luís Montenegro enumera - como é habitual nos discursos -  objectivos sociais e económicos.   Mas - há sempre um "mas" - avisa de um estado de emergência que obrigará a medidas graves, habituando já os portugueses para o que aí vem.

"Vai começar desde já a programar e executar reformas estruturais que mudem o país e o coloquem numa rota de prosperidade" (tal como tinha sido anunciado em 2011 por Passos Coelho); que vai "encetar uma transformação estrutural da economia e do Estado" (idem); que "não ficámos um país rico só porque tivemos um superavit orçamental" e que essa ideia é "perigosa, é errada e é mesmo irresponsável", porque "a teoria dos 'cofres cheios' conduz à reivindicação desmedida e descontrolada de despesas insustentáveis" e "induz o país a pensar que não há necessidade de mudar estruturalmente a nossa economia e o Estado, porque afinal parece que está tudo bem" (tal como fizera Durão Barroso - com  seu discurso da "tanga" - e Passos Coelho - ajudado pela presença da troica em Portugal).   

As promessas eleitorais são assim relativivizadas:

"Vamos cumprir as nossas promessas de desagravamento fiscal, de valorização dos salários e das pensões, de reestruturação dos serviços públicos e modernização do Estado. Mas [há sempre um "mas"] vamos fazê-lo não à sombra da ilusão de um excedente, mas antes com a âncora de uma economia mais produtiva e competitiva e um Estado renovado e eficiente".

Ou seja, à medida das possibilidades. Ou seja,  adeus, promessas eleitorais. 

Contudo, há promessas de aplicação imediata: o desagravamento fiscal dos mais ricos.

Baixar os impostos não é uma benesse do Governo. (...) é uma medida de política económica e justiça social. A carga fiscal elevada é um bloqueio à economia, à produtividade e ao sentimento de justiça. Vamos reduzir o IRS, em especial da classe média [de que beneficiam igualmente os rendimentos mais elevados] e dos jovens, e vamos isentar de impostos e contribuições os prémios de produtividade até ao limite de 1 salário [isentando sobretudo as grandes empresas]. Ao mesmo tempo reduziremos o IRC de 21% para 15% em três anos [beneficiando as grandes empresas]. Os objetivos são claros: valorizar o trabalho, reter os jovens e incentivar e atrair investimento."

Na habitação, saúde e na educação, as medidas em nada mudam os bloqueios que o mercado impõe a quem procura casa, saúde ou educação.  Governo promete:

a isenção do IMT para a compra da 1a casa [de parca influência nos custos] e a redução da fiscalidade sobre o setor" [em prol de quem beneficia já dos bloqueios do mercado], em conjunto com "a utilização dos imóveis do Estado [esperando-se a sua venda ao mercado e a quem beneficia do mercado].

Na área da saúde, o Governo não deixará de implementar uma reforma estrutural que fortaleça e preserve o SNS como a base do sistema, mas  [há sempre um mas...] que aproveite a capacidade instalada nos setores social e privado [revertendo recursos públicos para esses sectores], sem complexos ideológicos inúteis e com uma única preocupação: o cidadão [E se o cidadão não quiser?]. Tal como prometemos, elaboraremos um PROGRAMA DE EMERGÊNCIA [de novo a emergência] que será apresentado até ao dia 2 de junho.

Na Educação é URGENTE garantir uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos [argumento geralmente usado para justificar a trahnsferência de recursos para o sector privado], uma Escola Pública que coloque o elevador social novamente a funcionar e que atraia e retenha professores, valorizando a sua carreira."

Teme-se, pois, o pior.  Até porque os jornalistas económicos - tal como em 2011 - começam já a afinar pelo mesmo discurso.

 




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